3.1 Literatura moderna e Cultura: discurso crítico
A postura crítica no discurso literário tem sido desenvolvida ao longo de toda a história da literatura conforme os acontecimentos sócio-culturais de cada uma das sociedades. Com a evolução das nações modernas a crítica na literatura modifica o seu modus operandi e podemos afirmar que, hoje em dia, a maneira com que é adoptada não tem sido tão explícita como antigamente. Devido a este facto achamos pertinente estabelecer a definição mais concreta para o termo crítica como sendo um dos marcos mais emblemáticos da escrita moderna, cultivada também por José Cardoso Pires.
Naturalmente que o conceito de crítica não se aplica única e exclusivamente ao acto de denunciar uma realidade indesejável, ao protesto relativo a uma determinada ordem sócio-cultural ou uma oposição à política, que iniciou a estirpe da «literatura participante» ou «engajada». Para além da vigilância em relação às revelações ideológicas dominantes que formam a linguagem comum, compreendemos sob a postura crítica uma atitude de indagação da literatura a respeito da sua própria eficácia como o discurso crítico. Por outras palavras a literatura moderna mantém um sentido autocrítico e desta maneira evita a mistificação de si mesma e do próprio poder que, em princípio procura subverter, enquanto a crítica.
Devemos afirmar que a reflexão sobre a si mesma aparece como a condição elementar para um texto literário poder engendrar o discurso crítico, ou seja, uma posição da diferença, da subversão ao código comum. Esclarecemos estas afirmações com o pensamento da crítica brasileira Leyla Perrone Moisés:
A obra escreve-se e lê-se como um exercício de crítica e de autocrítica. Presente na gênese desta escritura, a crítica a engendra e a forma. O que a caracteriza e lhe dá a sua originalidade e a sua modernidade, é o facto de ser antes de mais uma crítica do significante, que atinge o significado por ricochete, e de modo mais certeiro do que se este fosse directamente visado.15
Estas considerações são necessárias porque queremos iniciar a leitura da obra de José Cardoso Pires com o ensaio Cartilha do Marialva. É importante a observação que como ensaísta, o autor apresenta-se como o crítico da cultura portuguesa. Ao revelar esta posição do escritor, porém, não implica que se possam analisar os seus textos de ficção da mesma maneira e com os mesmos princípios que o ensaio. Além disso, a forma crítica não se produz igualmente em todos eles, ainda que se mantenha o traço fundamental da escrita cardoseana.
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