A musicoterapia e a humanização no contexto hospitalar
Segundo Cunha e Volpi (2008, apud RUUD, 1998; GASTON, 1968)
A musicoterapia é um campo da ciência que estuda o ser humano, suas manifestações sonoras e os fenômenos que decorrerem da interação entre as pessoas e a música, o som e seus elementos: timbre, altura, intensidade e duração. A sistematização da teoria e da prática musicoterapêutica teve início nos meados do século passado e vem se solidificando por meio de um crescente número de estudos e pesquisas na atualidade. No âmbito das investigações científicas os estudos dedicam-se a compreender as funções, usos e significados que as pessoas atribuem aos sons, músicas, ritmos, silêncios e outros parâmetros sonoro-musicais que permeiam suas vidas.
A musicoterapia no contexto hospitalar pode auxiliar no modo como o paciente percebe a sua estadia naquele ambiente. Os procedimentos médicos são invasivos e causam dores físicas ao paciente. A mudança de rotina, a distância dos amigos e familiares ocasionam um certo sofrimento psíquico ao paciente que se vê num ambiente desconhecido com pessoas desconhecidas e tem de se adaptar a essa nova realidade, ao menos por alguns dias. O presente trabalho foi planejado pensando nestes pacientes que precisam ficar internados e se percebem num ambiente pobre de recursos que os entretenham ou auxiliem nesse processo de internação que pode ser curto ou longo.
Todos os encontros realizados seguiram a mesma estrutura, pois como as internações no hospital são rotativas a cada semana era encontrado um público diferente, cada um com sua especificidade.
Os primeiros 9 encontros realizaram-se das 8 horas às 11 horas nas quartas-feiras. Os últimos 8 encontros realizaram-se das 14 horas às 17 horas nas sextas-feiras. A caracterização era a primeira etapa de todo encontro. No Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium de Lins, São Paulo, era realizado o processo de maquiagem e checagem dos instrumentos. Caminhava-se até a Associação Hospitalar Santa Casa de Lins e, durante o trajeto, olhares curiosos eram percebidos e algumas interações com o público aconteciam. Ao chegar ao hospital, o jaleco era colocado e interagia-se com o público da sala de espera; eram inventadas músicas e também cantadas músicas conhecidas. Após esta breve intervenção caminhava-se até ao quinto andar da instituição; ao chegar perguntava-se à enfermeira-padrão do dia qual o quarto que a visita estaria impossibilitada. A numeração dos quartos do quinto andar vai do número 500 ao 515. A visita seguia esta mesma ordem, começando do quarto de número 500 e visitando cada um até o número 515.
Os pacientes apresentavam os mais variados tipos de doenças ou ferimentos decorrentes de acidentes. As intervenções realizadas ocorreram com a finalidade de promover uma maneira mais humanizada de atender os pacientes, pois “O pressuposto subjacente em todo processo de atendimento humanizado é o de facilitar a pessoa vulnerabilizada a enfrentar positivamente seus desafios” (SIMÕES, 2007).
Ao chegar ao leito era perguntado ao paciente seu nome, quantos anos tinha e o porquê de estar internado. Através destas perguntas era possível perceber a relação que o paciente estabelecia com sua doença e a pré-disposição do paciente à intervenção que o grupo vinha propor, e a partir dessa percepção uma música era improvisada.
O improviso de músicas visando expressar o estado do paciente de uma maneira artística encontrava grande aceitação e identificação por parte do paciente, pois a música criada não existia até então, o que a tornava única e fazia o paciente sentir-se único, identificando-se com a letra pensada a partir da sua realidade, possibilitando que ele se reconhecesse e a partir desta reflexão pudesse compreender a relação que estabelece com a doença. Por ser uma música inventada para o paciente e não uma fórmula preestabelecida, torna-se a intervenção mais espontânea e o que é manifestado é retrato daquele momento, daquela situação que o paciente está vivenciando, dos seus sentimentos, daquele que ele pode ver expressa por uma via artística. Cunha e Volpi (2008) afirmam que:
Esta possibilidade de expressão e comunicação, que caracteriza a prática da musicoterapia, pode colaborar com a construção de um período de hospitalização durante o qual os pacientes se sintam mais acolhidos e considerados no que se refere às dimensões de identidade e subjetividade. A musicoterapia pode contribuir para que o ambiente hospitalar se torne mais descontraído e agradável na medida em que atua diretamente sobre os sentimentos dos participantes procurando aliviar tensões e propiciar momentos de trocas sociais positivas.
As autoras ainda afirmam que “independentemente do tempo de duração, as interações musicais em ambiente hospitalar têm contribuído para a humanização destes espaços podendo criar momentos de prazer e bem-estar, sensibilizando os pacientes para novas experiências artísticas e culturais” (CUNHA e VOLPI, 2008). Através da intervenção musicoterapêutica foi possível tornar mais humanizados tais atendimentos e deste modo os pacientes se sentem mais acolhidos, considerando que a doença em si não é o aspecto mais importante e sim o modo como o paciente ressignifica a doença durante aquele período.
Através da dinâmica do Radialista foi possível atender aos pedidos de música da preferência do paciente. Um estagiário imitava um locutor de rádio e solicitava para que o paciente pedisse uma música e mandasse um abraço para as pessoas de sua preferência. O locutor anunciava a música e mandava os abraços para as pessoas que o paciente havia dito. A música era cantada e na maioria das vezes o paciente cantava junto com os estagiários. Caso o paciente dissesse para que fosse cantada uma música da preferência dos estagiários, era inventada uma música baseada no nome do paciente. Nesta intervenção também ocorria anedotas inventadas com o paciente. Esta atividade possibilitava muitos risos, pois as anedotas inventadas na hora com o paciente e as músicas cantadas o faziam agente da situação, ele ria e causava risos, e o momento propiciava prazer e acolhimento através da interação e troca estabelecida.
A dinâmica do tesouro foi outra intervenção que possibilitou o alcance do objetivo de que o paciente manifestasse sua subjetividade e sentimentos. Essa dinâmica possui grande caráter de ludicidade. Ao anunciar que o paciente será presenteado com um tesouro, uma história inventada sobre onde os estagiários (palhaços) moram é contada. Nessa história é dito que os palhaços moram no fim do arco-íris e é dita uma orientação de como se chega nessa casa; no fim do arco-íris há um pote de tesouro que foi roubado por gnomos, porém sobrou um que foi trazido para o paciente. Depois da história ser contada a caixa é aberta e o espelho contido nela é mostrado ao paciente. O espelho é segurado de modo que o paciente consiga se ver e é perguntado o que a pessoa pensa sobre esse “tesouro” e o que ela tem para dizer para ele. Esta dinâmica é realizada quando é percebido no paciente uma certa angústia, como algo que precisa ser dito, mas que não encontra oportunidade e alguém que escute. No momento em que ele fala “consigo mesmo” observa-se o fenômeno manifestado, os sentimentos expressos, e o que o angustia se alivia, pois “a maioria dos outros profissionais, bem como a família e os amigos, por não suportarem ver o paciente angustiado, não conseguem lhe prestar esse serviço e querem logo apagar, negar, destruir, ou mesmo encobrir a angústia. Mas a angústia não se resolve, se dissolve gradativamente em palavras” (CANTARELLI, 2009). O psicólogo é o profissional que melhor é treinado para escutar e através desta dinâmica se dá a oportunidade para que o paciente compartilhe sua angústia, pois ele a leva consigo e falando sobre sua vida naquele momento o mesmo se sente ouvido, compreendido, e existindo.
Entre o estágio de observação inicial cuja a finalidade foi coletar informações relevantes e conhecer a demanda, até o fim do estágio de intervenção cuja finalidade foi a abordagem prática enfocando nessas demandas, pode-se concluir que as intervenções alcançaram seus objetivos. Uma proposta mais humanizada foi feita, beneficiando aproximadamente 300 pessoas internadas na instituição.
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